Até onde vai o "amor ao próximo" professado por muitos que persistem em ter como escudo a bíblia? Com certeza, este tal "amor" não chegou à menina de onze anos que foi apedrejada após sair de um ritual de candomblé. Não, não chegou. O que lhe foi ofertado não passou de um ferimento que derramou preconceito velado sobre sua face, um choro que há séculos ainda insiste em permanecer e uma marca, a qual, provavelmente, demorará a sarar. Uma chaga que não se trata com remédios, mas que continua a doer, cronicamente, nos que nos orixás guardam sua fé: a intolerância.
Mas,
quem era essa menina? Mais uma criança negra, vilipendiada pela
sociedade e, por assim dizer, tragada pelo histórico espinhento de sua
religião. Aparentemente, a repressão aos cultos afro-brasileiros - e,
por corolário, seus/suas adeptxs- não ficou encarcerado nos nossos
livros de História. Na verdade, eles [os livros] romanceiam esse fato. E
muito, diga-se de passagem. Apurando mais atentamente, percebe-se a
visão [no século XIX] que muitxs alimentavam dxs negrxs praticantes do
candomblé: esses eram conhecidos como "feiticeirxs" e recebiam alcunhas
de mesmo nível.(vide dissertação de mestrado de Rafael Pereira de Souza,
intitulada "BATUQUE NA COZINHA, SINHÁ NUM QUER!". Repressão e
resistência cultural dos cultos afro-brasileiros no Rio de Janeiro
(1870-1890)).
Opa!
Hoje, século XXI, tais adeptxs são chamadxs do mesmo jeito, com os
mesmos impropérios, com o mesmo tom horrendo superior das vozes. E,
infelizmente, o caso de Kailane Campos foi só mais um. Na verdade, mais
um a ser esquecido nos, pelo menos, 11 casos contabilizados de
intolerância religiosa no Brasil, segundo a Secretaria de Promoção da
Igualdade Racial (Sepromi). Em termos práticos, até a própria justiça
deixa a desejar nesse sentido.
Na
"Cidade Maravilhosa", o paradoxo não é tão vistoso assim. Apesar dos
efeitos nocivos causados por uma sociedade opressora, a qual, demoniza
as manifestações de matrizes afro, a Justiça Federal do Rio de Janeiro
"definiu que umbanda e candomblé 'não são religiões'", conforme a Carta
Capital. Tal vitupério explicitado se deu por uma petição de
candomblecistas em retirar de um canal um culto evangélico que promovia a
discriminação e a intolerância aos cultos de matrizes africanas.
Ora,
se o nosso Código Penal explicita como conduta criminosa tal ato, por
que não houve apreensão dxs ofensorxs? A resposta da Justiça é ainda
mais incoerente: candomblé e umbanda deveriam ter um texto sagrado
(bíblia, Torá?) ou seja, a transmissão oral da religião foi/é esquecida;
e continuando, tal estamento jurídico disse que essas religiões
deveriam ter apenas uma divindade suprema e uma hierarquia estruturada.
De longe percebe-se que a falha começa onde deveria se existir uma base
intacta. Além do mais, essa constatação fere dispositivos
constitucionais e internacionais como o Pacto de San Jose da Costa Rica.
Pois bem, se a justiça coaduna, mesmo que não intencionalmente, com
essa chaga social, xs cidadãos/cidadãs (boa parte delxs) não farão
diferente.
E
esse cenário sombrio que tem como protagonista o "povo de santo" não
tem faixa etária. Kailane Campos tem 11 anos sofreu por ser do
candomblé. Na Bahia, mais precisamente em Camaçari, no dia 1, Mildreles
Dias Ferreira, 90 anos, conhecida como mãe Dede de Iansã, morreu de um
infarto, conforme familiares, pela intolerância religiosa, esta que toma
frente no palco social. Ambas chamadas de "filhas do Diabo", "cheias de
satanás", tendo como morada o "inferno", como muitxs dizem. "Porque
quando Jesus voltar...".
Sendo
assim, deixo aqui minha sincera revolta a nossa sociedade e seus
sustentáculos nocivos, os quais, encharcados de preconceito, racismo e
discriminações ainda continuam a fazer vítimas como Kailane, mãe Dede e
tantxs outrxs. Parece que a Lei 7.716/89 é inerte aos fatos. Na verdade,
a eficiência para aplicação dessa Lei é um campo sedimentado, uma vez
que muitxs dxs nossxs representantes simpatizam com práticas nefastas
desse tipo. Infelizmente, esses casos tendem a se perpetuar, numa
sinfonia entre o desrespeito e a discriminação. A orquestra disso não
precisamos nem citar, né? Por fim, parafraseando um trecho do poema de
João Cabral de Melo Neto, O MEDO COMEU MINHA PAZ... e a sua?
- Cleston Francisco
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