Passado alguns meses,
ele tinha se tornado o “menino” da casa, o xodó, o intocável. Sempre com a
energia natural de um filhote, corria e sujava a minha cama toda (e eu ainda
era dito culpado), suas manias incluía roubar os chinelos dos visitantes e
levar para o seu esconderijo secreto.
Assim passaram-se os
natais, os aniversários, as datas, os sustos... Quando ele chorava pra sair
tarde da noite, a preocupação para que ele voltasse pela manhã, como um irmão
ou filho. Sua cadeira própria, de onde tirava todos quando queria deitar-se. A
forma com que ele nos recebia quando chegávamos em casa, sempre brincando e
pulando, como se tivesse vendo a pessoa mais importante do mundo, e de fato era
isso pra ele. Tenho a mania de sair de casa ao falar no celular tarde da noite,
se eu saísse ele chorava pra ficar perto de mim. Tantos gestos de amor, tantos
momentos felizes, nos leva a crer que eles têm a vida mais curta do que deveria
ser.
Um dia ele precisou
tomar uma injeção, não exatamente por qual motivo, mas depois daquilo seus dias
estavam contados, o inevitável estava programado e ninguém esperava. Era de
matar vê-lo fraco, com dificuldades de andar, seus dias se arrastaram até
que... Mainha me ligou várias vezes ao dia procurando saber sobre ele, parecia
pressentir o que viria. Ele tava chorando, depois foi ficando tranquilo, e
tranquilo... Certo momento eu tinha que dar o remédio, mas, ele não acordou
mais.
Como num filme de
terror, eu parecia ter perdido o chão, quando chamava por ele desesperadamente
enquanto chorava. Fiquei ali por mais quarenta minutos até mainha ligar
novamente pra perguntar por ele. “- Cadê meu velho, melhorou.” Eu engoli o
choro e disse que não, que tinha descansado. Ela me pediu pra jogar fora todas
as cosias alusivas a ele, para não lembrar tanto a falta que ele iria fazer. De
fato ajudaria um pouco, mas seu cheiro não seria tão simples de apagar.
Enrolei-lo na sua toalha, fiz cavei um buraco para ele, e confesso que a
inchada nunca foi tão pesada, descia outras tantas lágrimas junto com
lembranças que jamais seriam esquecidas. Nas outras perdas eu era muito
pequeno, não tinha noção, mas agora tinham sido dez anos de convivência, do ser
mais próximo a mim que existiu.
Eu tinha uma pulseira
no braço esquerdo, tirei, enrolei em sua pata, pata não! Mão, como diz mainha.
E pus fim em tudo aquilo. Minha namorada na época recebeu uma ligação muito
triste e desesperada, era eu chorando muito pela perda do melhor amigo.
Confesso que passei
meses pra readaptar meus hábitos, agora podíamos sair sem que ele nos seguisse
onde quer que fossemos, não teria jamais outra demonstração de amor e afeto
como tinha antes. Ficaram as lembranças e a saudade, de um anjo que passou pela
vida e me deixou várias lições sobre o que é o companheirismo.