Têm dias que acordamos com o peso do mundo sobre as costas, é mesmo que seja apenas o nosso próprio mundo, isso as vezes pesa demais. Sou uma pessoa que absorve o que acontece ao seu redor, por mais que eu tente fugir disso, muitas vezes me pego sofrendo por algo que não é diretamente ligado a mim, como se a responsabilidade fosse minha também.Ontem foi um dia pesado, tanto que só pude escrever hoje. Essa correria por causa da paralisação, todo esse caos que vivemos, talvez tenha aflorado ainda mais esse lado meu já forte.
Sou um preto que fugiu da sina dos periféricos, não me envolvi, tentei estudar, arrumei um trabalho bom que paga uma miséria (o que todo assalariado recebe). Mas fui taxado de playboy por alguns caras da minha quebrada por estar de calça social e mochila de marca. Cara, eu tava voltando andando de um dia caótico, de um trabalho que estressou pela mobilidade do Brasil atual, e um irmão de gueto vem taxar.
Logo a noite, um fodido social, doente de drogas ou sei lá o que, tentou me assaltar, colocou uma faca em mim. Eu estava anestesiado, numa daquela de querer morrer e evitar minha morte. Acabou que ele desceu e foi embora sem levar nada.
No metrô, uma confusão de pessoas, vendedores. Rostos cansados de quem correu atrás do alimento, e outros rostos, de quem ainda estava correndo, e eu absorvendo tudo isso, pois é difícil ignorar. Um casal de senhores, um deles cadeirante e dentre os vendedores, uma mulher jovem, aparentava ter uns 28 anos, ela vendia flores artesanais, mas, não era um dia comum.
Ela é soropositivo e mãe de um bebê de dois meses, falou que não entrou ali pra pedir, pois trabalhava, só que não tem ninguém esses dias nos parques pra comprar sua arte, e por necessidade, estava vendendo ou pedindo qualquer coisa, pois sua filha não pode ser amamentada por ela.
Eu não tinha nada além dos 10 reais de emergência, que eu falei a minha irmã que iria comigo caso algo aconteça, bom aconteceu.Tentei parecer apenas um consumidor, mas não era normal, ela chorava, de desespero, tristeza. Ela chorou quando eu comprei a flor, o único que comprou naquele vagão, melhor não julgar a necessidade de cada um ali, vai ver que eles corriam pra salvar seus mundos, mas eu perdi ali a fé na humanidade, por tudo que eu carreguei nesse dia, mas, talvez, tenha sido o meu gesto de pagar 10 flores e o dela de distribuir as outras 9 com as pessoas ali, que tenha salvado minhas esperanças.