Eu queria escrever diferente.
Juro.
Queria escrever sobre a glória do preto.
Que a favela vence sempre
Que o tabu virou padrão
Que o padrão seja estar no topo.
Que voltar para casa vivo não fosse o alívio do dia
Queria escrever sobre ter chegado lá
Mais ainda, queria escrever sobre como todos podem chegar.
Eu queria escrever sobre uma lembrança que não fosse dor
Sobre dias bons como dias comuns
Que preto na vala,
os que levam tapa na cara,
não fosse contados como apenas mais um.
Eu queria escrever sobre os sonhos que tive,
Mas na primeira vez que tentei,
eu morri.
E quem me leu antes entendeu que já foi.
Nem eu, nem a favela mais vive.
Sobre compartilhar lembranças,
hoje elas são cruéis.
E é incrível como contamos as felicidades nos dedos,
Sem saber se elas foram menores,
ou por entender que as dores são tão maiores.
Eu queria dizer que está tudo bem,
igual venho me repetindo quando me disseram que ninguém gosta de gente que está sempre triste.
Eu não sabia que ser feliz era escolha.
E eu me repeti isso até parecer estar.
Queria dizer que me amo,
mas todas as coisas que eu sou, sou errado.
Disseram um dia que preto era ponto de referência, não padrão.
E tudo que sou é menor,
eu sei que não,
mas se todos tratam como se fosse,
eu me repetia todos os dias pra ver se passava a me amar.
Pouco mudou.
Hoje eu não só me odeio, como todo o padrão eu passei a odiar.